11 de dez. de 2011

Físico argentino diz ter sobrevivido a cárceres da ditadura por consertar aparelhos de choque

  • Villani disse: 'O conhecimento me ajudou a sobreviver'

O físico aposentado Mario Villani, de 71 anos, acredita ter sobrevivido aos cárceres do regime militar argentino graças a seus conhecimentos técnicos que permitiam que ele fosse convocado para consertar um aparelho de choque elétrico usado em sessões de tortura.

Em depoimento à BBC Brasil, Villani contou que no início se recusou a colaborar, mas que mudou de ideia por achar que poderia ajudar a "amenizar" a dor sofrida por prisioneiros torturados por agentes da ditadura argentina (1976-1983).

Ele foi sequestrado por soldados em 1977 e ficou quase quatro anos detido, como preso político, até 1981, em cinco diferentes centros clandestinos de tortura, incluindo o mais conhecido deles, a ESMA (Escola de Mecânica da Marinha), por onde estima-se que passaram cerca de quatro mil vítimas daqueles anos de ditadura.


Villani chegou a ser torturado várias vezes, mas sua especialização acabou levando-o a ser obrigado a prestar serviços como fazer consertos de aparelhos eletrônicos para os que o mantinham detido.

"Uma vez um militar me pediu para consertar o (aparelho de) choque elétrico e eu me neguei. Pensei que fossem me matar pela negativa. Mas outros presos acabaram sofrendo mais com aparelhos piores. Foi um dilema para mim", afirmou.

Segundo ele, para convencê-lo a fazer o conserto, os militares passavam com outros presos na sua frente após as longas sessões de tortura.

"De propósito, eles passeavam com os presos, arrasados e com queimaduras na minha frente. Então, aceitei consertar o aparelho. Os militares não entendiam nada de eletricidade e diminuí a potencia ao máximo", disse.

'Memórias do cativeiro'

Villani não acredita que tenha salvado vidas, mas pelo menos ajudado a "amenizar" o sofrimento de muita gente. Ele conta este fato no livro Desaparecido, memórias de um cativeiro, que acaba de chegar às livrarias argentinas, e nas reuniões que participa de ex-presos políticos no país.

"Uma vez, numa reunião de sobreviventes, uma senhora se aproximou e me disse que, ao ser torturada, o militar reclamava das falhas da companhia de eletricidade. Como fomos presos na mesma época e lugar, concluímos que ela foi alvo daquele aparelho com menor descarga elétrica e me agradeceu", disse.

Antes de ser preso, Villani foi engenheiro da Comissão Nacional de Energia Atômica e professor da Universidade de La Plata, na província de Buenos Aires.

Ele acredita que o conhecimento em eletrônica o ajudou a ser mantido vivo nas prisões por onde passou.

"Acho que sim, o conhecimento me ajudou a sobreviver. Mas eu sempre quis contar tudo à Justiça. Tive amigos que morrerem e casos estão sendo investigados. Aprendi, porém, que não podemos baixar a guarda e temos que contar tudo sempre para que aqueles horrores não voltem a se repetir", disse.

Villani é testemunha em várias investigações contra a ditadura argentina. Prestou depoimentos na Argentina, na Itália, na Espanha e na França – no exterior foram investigados sequestros e desaparecimentos de estrangeiros ou filhos de estrangeiros naquele período no país.

Magro, alto, ele é cortejado por entidades de direitos humanos, como as Mães da Praça de Maio, com as quais participou, nesta quinta-feira, de uma cerimônia por desaparecidos políticos.

Ele contou ainda que consertou eletrodomésticos roubados pelos militares.

"Também me usaram para consertar os eletrodomésticos que roubavam das casas dos presos políticos. Televisão, geladeira, liquidificador", disse.

O roubo dos bens dos presos faz parte de várias causas investigadas pela Justiça argentina.

"Eles levaram tudo da minha casa. Até a mesa que fiz para consertar eletrônicos numa sala. Era tudo tão absurdo que um dia, seis meses depois que fui sequestrado, a mesa apareceu na prisão onde eu estava e me fizeram trabalhar nela", disse. Villani contou que a lista de "roubos" incluiu até vasos sanitários.


Fonte BBC (por Marcia Carmo)


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